BAIÃO DE DOIS

Qual relação poderia haver entre o poeta popular Leandro Gomes de Barros e uma das figuras mais expressivas do cenário político-literário nacional, Ruy Barbosa? Possivelmente, a mesma predileção no manejo da pena: ambos escreveram com eloqüência. Ruy se notabilizaria também pela oratória, arte na qual era considerado mestre e Leandro não era versado, já que nunca fôra cantador, mas sim poeta de gabinete1 ou de bancada.

Na Retórica antiga a arte de persuadir o público constituía um verdadeiro império de vastos domínios. Uma ciência em que aquele que fala se torna proprietário da palavra, apoderando-se, como que por magia, até da alma do interlocutor. Os tratados sobre esse saber dominaram a Antigüidade clássica e, mais recentemente, o semiólogo francês Roland Barthes2 dedicou a essa prática discursiva um importante ensaio.

Conseqüência dessa sedução é o que demonstra a Literatura de Cordel3; o império da Retórica erguido por Ruy fascinou muitos poetas, dentre eles um contemporâneo de Leandro, João Melchiades da Silva4, que o cita em seu poema O Desafio de João Melchiades com Claudino Roseira, para igualar-se a ele e tentar intimidar o adversário:

R. Senhor Melchides respeite
Se quizer ser respeitado
Olhe bem que seu Roseira,
È cantor considerado
Sou um cantor do agreste
D´um saber muito elevado.

(...)

R. Melchides trate melhor
A este Claudino Rosa
Carreira de besta fera
Saber de seu Ruy Barbosa
Trovão do mez de janeiro
Ventania temerosa.

M. Roseira isso é um horror
Você não se considera,
Com esta barbaridade,
O seu cantar não prospera
Deseja ser Ruy Barbosa
E diz que é besta fera.

Vencer através da maestria em improvisar ou da exibição de uma erudição inacessível para o rival constitui um dos saberes mais notáveis desses homens de poucas letras, mas de muitos ouvidos... Audição e língua afiadas para desempenhar bem a profissão que se escora na rapidez de raciocínio, base do desafio, e na sedução do ouvinte medusado pela palavra cantada.

Por isso Ruy Barbosa se tornou unanimidade tanto entre cantadores quanto poetas. Leandro em um poema datado de 1917, Echos da Patria, utiliza seu nome como sinônimo de inteligência, reconhecendo o peso de suas palavras num mundo conturbado pela guerra:

Disse o grande Ruy Barbosa
No senado descursando:
Brasileiro faz sorrindo
O que allemão faz chorando,
Este paiz magestoso
Renasce de quando em quando,

Por outro lado, Ruy gostava de citar em seus textos, vocábulos e expressões daquele universo tão distante de sua cabeça intelectualizada, mas tão próximo de sua origem baiana, em que a verve e a coloquialidade se destacavam. O erudito aproxima-se do popular com grande naturalidade e se complementam. Além disso o interesse de Ruy por esses assuntos se prova pela presença, em seu Acervo, de alguns folhetos de cordel de origem portuguesa como o da Imperatriz Porcina 5.